Um dos exercícios mais desconcertantes e, ao mesmo tempo, transformadores que podemos nos submeter é o olhar de fora. Olhar de fora, para dentro de nossas vidas. Olhar para a nossa conduta de vida com a auto-crítica honesta de que existem áreas a ser melhoradas e também áreas a ser celebradas. É possível olhar de fora para dentro também para a educação que temos dado aos nossos filhos, por exemplo. Assim como para a relação conjugal, a vida profissional e muitas outras esferas da vida. Olhar de fora, em síntese, significa avaliar-se como outro, do mesmo modo como avaliamos rotineiramente os nossos amigos e conhecidos. É preciso sinceridade para esta tarefa. É preciso coragem, pois este olhar desconstrói a ideia de que nossa agência é ideal. Ao olharmos de fora pra dentro, podemos identificar mazelas que, inclusive, já apontamos nos outros, mas não conseguíamos revelar em nós. Não é só revelador, mas é também desconcertante porque nos mostra que somos incompletos e incapazes em muitas coisas e é esta constatação o embrião de uma transformação verdadeira.
Porém, gostaria de falar sobre a aplicação deste olhar na Igreja Cristã. Frequento igreja desde sempre e há alguns anos fui muito crítico com ela, inclusive aqui, neste Blog. Nos últimos anos, me tornei líder em uma delas e passei de uma visão crítica descompromissada para uma visão engajada, na qual a igreja não são ELES, igreja somos NÓS. Se a igreja erra, ela erra porque NÓS erramos e neste NÓS, eu faço parte do problema. Fácil é falar DELES, difícil é falar de NÓS! Fácil é falar dos ciscos, difícil é assumir as traves! Isso vale pra indivíduos e também para instituições. Neste sentido, devo admitir que, com o passar dos anos, acabei me conformando com muitas características que antes eu criticava com veemência na igreja. Me acomodei a certas conveniências da cultura eclesiástica que há alguns anos eu rejeitava. Fiz parte do NÓS, somei com ELES, mas também fui absorvido em muitas coisas que me cegaram aqueles olhos de fora, aquela capacidade de enxergar a cultura interna com olhos críticos externos.
Gostaria de citar apenas um ponto com o qual me conformei. Qualquer cristão com um conhecimento bíblico básico, já entendeu que igreja não é um prédio feito de tijolos, mas sim um ajuntamento de pessoas que professam Jesus como Salvador e Senhor e trabalham juntas em prol do Reino de Deus. Apesar deste conhecimento ser básico, na prática, porém, a maioria de NÓS, ainda focamos nossa religiosidade na tarefa de ir à igreja (o prédio), semanalmente. Mais do que isso, muitos ainda tem este prédio como templo sagrado. O resultado é que continuamos a departamentalizar a prática da nossa fé a um determinado horário e local, como se o Reino de Deus estivesse preso a uma agenda e a um local. Não é culpa do prédio, como se a solução fosse vender o imóvel, pelo contrário, este prédio poderia ser um local por onde toda comunidade local encontra abrigo, por onde as pessoas atravessam e nesta travessia encontram apoio, cuidado e capacitação. O prédio físico, criado pela igreja (pessoas) deveria ser um oásis público, no meio de uma sociedade individualista e fechada. Um espaço aberto, para pobres e ricos, para sábios e estúpidos, porém, acaba sendo local privado, para raros, em raros momentos de ajuntamento ordinário.
Sim! Eu me conformei com isso. Aposentei o olhar de fora. Entretanto, ainda não é tarde para usá-lo novamente e com olhar terno de quem faz parte do NÓS, aplicá-lo para constatar, desconcertar e, quem sabe, fazer parte de alguma transformação.